A curva ascendente da taxa de inflação tem criado um contexto de instabilidade e incerteza económica no seio das famílias portuguesas. Este cenário criado no início de 2022 com a crise energética que se agravou com o conflito na Ucrânia vai, segundo a larga maioria das previsões económicas, prolongar-se no próximo ano.

Nas economias domésticas, o sufoco da inflação já se sente nas despesas diárias e sobretudo no crédito a habitação que representa a maior fatia do orçamento das famílias portuguesas.

As magras taxas de poupança das famílias, aliadas ao cenário de inflação crescente sem grande reflexo no crescimento dos salários, tem alimentado uma taxa crescente de pedidos de insolvência durante o ano de 2022.

Face a este cenário nada animador, o que fazer para combater a crise inflacionária, é a grande questão que está e vai acompanhar as famílias nos próximos tempos. Não é nossa intensão nos próximos parágrafos apresentar soluções para combater a crise que se instalou. Mas sim apontar pistas de como resolver situações individuais ou familiares que já se encontram no limite, ou que já ultrapassaram o limite de cumprimento das suas obrigações financeiras.

A insolvência pessoal pode ser o último recurso para as pessoas excessivamente endividadas e sem condições para pagarem as dívidas. O objetivo desta medida drástica é evitar que os devedores fiquem indefinidamente endividados e sem meios de liquidação.

A insolvência pode não conduzir à obrigatoriedade da venda dos bens do insolvente. Em alternativa, pode passar por um plano de pagamentos em que sejam acordados adiamentos de prazos, garantias, perdões parciais ou totais de dívida, entre outras opções.

O processo de insolvência começa com um pedido escrito dirigido ao tribunal da residência do devedor. Os cônjuges casados em regime de comunhão de bens podem apresentar-se em conjunto à insolvência pessoal, se estiverem ambos nessa situação. Nestas situações o recurso ao aconselhamento jurídico é altamente recomendável, face à complexidade do processo.

Declarada a insolvência pessoal, o tribunal esboça um plano de pagamentos aos credores e decide o destino de todos os rendimentos do devedor. É nomeado um administrador judicial que fica responsável por gerir o dinheiro do devedor.

O pagamento aos credores segue uma ordem de prioridades. As dívidas à Autoridade Tributária e Aduaneira e à Segurança Social são prioritárias.

O tribunal também pode determinar a venda dos bens do insolvente. Se o dinheiro resultante for insuficiente para a liquidação de todas as dívidas, o devedor continua responsável pelas remanescentes. Mesmo após concluído o processo de insolvência.

O devedor que não consiga pagar tudo o que deve durante o processo de insolvência e/ou nos três anos posteriores ao seu encerramento, pode pedir a exoneração do passivo restante. Ou seja, o perdão das dívidas que ainda possam existir.

O requerimento pode ser feito logo com o pedido de insolvência inicial, ou nos dez dias seguintes à notificação, quando o processo tiver sido instaurado contra o devedor.

No entanto, nem todas as pessoas singulares podem gozar da libertação do passivo restante. Este perdão fica sem efeito nas seguintes circunstâncias:

  • Pedido apresentado fora do prazo,
  • Libertação do passivo restante nos 10 anos anteriores à data de início do processo de insolvência,
  • Incumprimento do dever de apresentação à insolvência.

Para assegurar o “sustento minimamente digno” do devedor e do seu agregado familiar, o tribunal atribui-lhe um rendimento mensal. Por norma, o seu valor não pode ser superior a três vezes o salário mínimo nacional.

Durante o processo, o devedor não pode esconder rendimentos e tem de ter uma atividade profissional remunerada. Caso esteja desempregado, está obrigado a “procurar diligentemente um emprego, não podendo recusar uma proposta de trabalho para o qual esteja apto”.

No final do processo de insolvência pessoal (após três anos, com pedido de perdão do passivo restante), o tribunal decreta a extinção das dívidas que ainda existam.

O recurso à insolvência pessoal é sempre uma medida de “fim de linha”, aplicada quando todos os recursos de capacidade de cumprimento com as responsabilidades financeiras já se encontrem esgotados. Para se evitar esta medida de “choque” é altamente recomendável que todos os indivíduos e famílias tomem decisões financeiras informadas, ponderadas e sobretudo que avaliem os impactos futuros dessas mesmas decisões.

 

24-10-2022

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Susana Canêdo - Advogada
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