A celebração de um contrato de trabalho é um vínculo entre uma entidade patronal e um trabalhador, no qual são acordados um conjunto de direitos e deveres para ambas as partes. A sujeição ao poder disciplinar do empregador é um dos deveres do trabalhador que mais se destacam nesta relação de vínculo.
Neste âmbito, importa referir que a existência de comportamentos ou condutas que se desviem do vínculo que o trabalhador celebrou com a entidade patronal, podem assumir a configuração de uma infração disciplinar, que por sua vez pode desencadear a aplicação de um processo disciplinar.
O Processo Disciplinar I:
De forma simples e, porventura, simplicista, pode-se afirmar que o processo disciplinar é, tal como o nome indica, um procedimento conduzido pela entidade empregadora que tem como propósito apurar a prática de uma conduta que se afigura como ilícita e/ou prejudicial ao normal funcionamento da empresa e das relações entre colaboradores e superiores hierárquicos.
Confirmar a violação de algum dos deveres do trabalhador, poderá desencadear à aplicação de uma sanção disciplinar, no âmbito do processo disciplinar, nomeadamente: repreensão, sanção pecuniária, perda de dias de férias, suspensão e, nos casos mais graves, o despedimento do trabalhador.
Quando a entidade patronal entende que uma infração foi cometida, por conhecimento pessoal ou porque lhe foi comunicado por um superior hierárquico, por norma, determina a instauração do processo disciplinar e consequentemente nomeia um instrutor externo, que no fundo será o responsável por analisar as provas apresentadas pela entidade patronal e pelo trabalhador e pela elaboração da decisão final.
Importa ainda referir que a entidade patronal dispõe de 60 dias para instaurar o processo disciplinar desde a data que o representante legal ou superior hierárquico teve conhecimento da ocorrência.
Convém referir, que o processo disciplinar prescreve (ou seja, não pode avançar, nem ser tomada qualquer decisão) se decorrido um ano contado desde a data em que o processo foi instaurado não for comunicada (notificada) a decisão final ao trabalhador.
O empregador pode suspender o trabalhador, mesmo sem nota de culpa, se a presença deste se apresentar como uma força de bloqueio para o normal funcionamento da empresa. No entanto este ato de suspensão não implica a suspensão do pagamento da retribuição (salário e demais direitos).
Esta medida preventiva de suspensão de um trabalhador pode ser justificada se a manutenção das suas normais funções poderá desencadear conflitos, destabilizar os demais trabalhadores, se a perpetuação de comportamentos ilegais (furtos, burlas etc.), ou dificultar/bloquear a averiguação das condutas em causa, enquanto não for possível elaborar da nota de culpa.
O Processo disciplinar, pode iniciar-se com a fase do inquérito disciplinar, que embora não sendo obrigatório é por vezes utilizado. O recurso a esta prática visa a recolha de elementos para a fundamentação da nota de culpa sempre que a apresentação da participação não seja suficientemente fatual e fundamentada para a apresentação de uma nota de culpa.
No processo prévio de inquérito a entidade empregadora dispõe de 30 dias entre a suspeita da prática dos factos irregulares e início do inquérito para o exercício da ação disciplinar e mais 30 dias após a conclusão do inquérito para a notificação da nota de culpa.
Em bom rigor, será altamente recomendável recorrer a esta prática quando se adivinha um processo disciplinar complexo e de dificuldades na recolha de prova.
A nota de culpa:
A nota de culpa é um documento escrito no qual a entidade patronal descreve os factos e infrações que são imputadas ao trabalhador, assim como as normas legais (laborais) que no seu entender foram violadas. A entidade patronal deverá ainda indicar ao trabalhador de que dispõem de 10 dias úteis para consultar o processo e apresentar a sua resposta.
Caso se verifiquem comportamentos suficientemente capazes de constituir justa causa de despedimento, a entidade patronal tem de comunicar, por escrito, ao trabalhador que os tenha praticados, a intenção de proceder ao seu despedimento, juntando nota de culpa com a descrição os factos que lhe são atribuídos.
Na mesma data, o empregador tem de remeter cópias da comunicação e da nota de culpa à comissão de trabalhadores e, caso o trabalhador seja representante sindical, à associação sindical respetiva.
O trabalhador pode solicitar provas e anexar documentos relevantes para o caso, sendo certo que a entidade patronal não é obrigada a ouvir ou a realizar todas as diligências solicitadas pelo trabalhador aquando da resposta à nota de culpa, especialmente se as mesmas, claramente, só servirem para retardar a decisão, devendo neste caso justificar fundamentadamente por escrito, o motivo da não audição de determinadas testemunhas ou não realização de determinada diligência solicitada.
Na realidade, a entidade patronal não está obrigada a proceder à audição de mais de 3 testemunhas por cada facto descrito na nota de culpa, nem mais de 10 no total, sendo da responsabilidade do trabalhador assegurar a presença das testemunhas que indicar.
O Processo Disciplinar II:
Voltando novamente ao processo disciplinar convém referir que, finda a fase probatória, o processo disciplinar deverá ser enviado à comissão de trabalhadores para que seja emitido um parecer fundamentado num prazo de 5 dias úteis.
Após a receção do parecer da comissão de trabalhadores, caso haja lugar ao mesmo, a entidade patronal dispõe de 30 dias para proferir a decisão final, caso contrário a decisão não tem qualquer validade.
Caso não exista comissão de trabalhadores e o trabalhador não seja representante sindical, o prazo 30 dias para proferir decisão conta-se a partir da data da conclusão da última diligência probatória.
A decisão deve ser comunicada por escrito ao trabalhador, à comissão de trabalhadores e à respetiva associação sindical, não podendo ser invocados factos não constantes da nota de culpa ou da resposta do trabalhador, salvo se atenuarem a sua responsabilidade.
Neste momento do processo, a decisão deverá identificar o tipo de sanção disciplinar que a entidade patronal irá aplicar, a qual deverá ser aplicada até 3 meses após a decisão, de forma a evitar o efeito surpresa e eventuais constrangimentos que possam estar associados. Nesta sanção não serão considerados factos relativamente os quais o trabalhador não tenha tido a oportunidade de se defender.
Finalmente, se as diligências probatórias pedidas pelo trabalhador não forem efetuadas pela entidade empregadora, a decisão do processo disciplinar deverá ser comunicada no prazo de 5 dias úteis.
A decisão quanto ao processo disciplinar determina o fim do contrato logo que chega à posse do trabalhador ou é dele conhecida ou, ainda, quando só por culpa do trabalhador não foi por ele oportunamente recebida.
O trabalhador, em caso de comunicação de despedimento, possui 60 dias para se opor, bastando para tal proceder à entrega de um formulário próprio no Tribunal competente, sendo certo que a seu tempo serão, então, discutidos em Tribunal os fundamentos que legitimam ou não a decisão de despedimento.
O processo disciplinar tem de respeitar os formalismos já enumerados, com exceção das comunicações às entidades sindicais e comissões de trabalhadores que deixam de ser obrigatórias, assim como os prazos e momentos até os quais terá de ser proferida decisão a saber:
Referir que a entidade patronal deverá proferir a decisão relativa ao processo disciplinar dentro dos seguintes prazos:
• 30 dias a contar do termo do prazo para resposta à mesma, se o trabalhador não responder à nota de culpa;
• 30 dias a contar da conclusão da última diligência probatória.
A legislação laboral determina que as sanções podem ser de diferente natureza:
• Repreensão (advertência oral ou até escrita, mas que não fica registada nos livros);
• Repreensão registada (repreensão escrita que fica registada nos livros);
• Sanção pecuniária (quantia monetária);
• Perda de dias de férias;
• Suspensão do trabalho com perda de retribuição e de antiguidade (perda de salários e retribuições devidas por antiguidade);
• Despedimento sem indemnização ou compensação (despedimento com justa causa).
Podem ser previstas outras sanções disciplinares mediante regulamentação coletiva de trabalho, todavia a aplicação das sanções disciplinares devem respeitar os seguintes limites previstos na legislação laboral:
• As sanções pecuniárias aplicadas a trabalhador por infrações praticadas no mesmo dia não podem exceder um terço da retribuição diária e, em cada ano civil, a retribuição correspondente a 30 dias;
• A perda de dias de férias não pode pôr em causa o gozo de mais de 20 dias úteis;
• A suspensão do trabalho não pode exceder 30 dias por cada infração e, em cada ano civil, o total de 90 dias;
De evidenciar que, sempre que se justifique, por força das especiais condições de trabalho, os limites estabelecidos podem ser elevados até ao dobro por instrumento de regulamentação coletiva de trabalho.
Já a sanção pode ser agravada com a respetiva divulgação na empresa, funcionando como um instrumento de advertência moral para os outros trabalhadores.
Este é um processo que pode assumir uma elevada complexidade, como tal é altamente recomendável a consulta dos serviços jurídicos de um advogado, para que qualquer das partes envolvidas seja convenientemente aconselhada.
10-12-2021