Embora existam pequenas ilhas sectoriais da economia Portuguesa que não têm sido beliscadas pelos efeitos do COVID-19, a maior parte do tecido económico nacional registou quebras na sua faturação. Os indicadores de setembro de 2020 revelam um crescimento das insolvências na ordem dos 12%, o valor mais elevado dos últimos três anos sendo a Hotelaria, Restauração e Serviços as áreas sectoriais mais penalizadas.
O futuro próximo apresenta-se muito incerto para as empresas e para as pessoas. Um indicador que mede o ritmo económico é a taxa de desemprego, que após um longo período de decréscimo está a inverter a sua tendência – neste momento 80% dos concelhos nacionais já registam crescimentos nas taxas de desemprego que se refletem no número crescente de famílias que recorrem a planos de pagamentos ou mesmo insolvências pessoais.
Para prevenir uma situação de catástrofe económica e social, foram implementados mecanismos como o lay-off simplificado, as moratórias e a facilidade na contratação de crédito (algum com garantia pública) para manter a tesouraria saudável. Estas são medidas temporárias e de efeitos limitados, por essa natureza surgem as pertinentes questões de como se vai apresentar o cenário macroeconómico após o fim das moratórias, encerramentos de negócios e consequente desemprego. Estes efeitos devastadores serão uma consequência lógica destes paliativos temporais?
O fim das moratórias vai chegar e a obrigação de amortização de empréstimos vai regressar ao seu normal funcionamento. No entanto os negócios que tiveram quebras na sua faturação ou as pessoas que viram os seus rendimentos reduzidos pelo lay-off ou pelo desemprego, vão conseguir cumprir com os seus compromissos bancários? Esta não é uma questão de um milhão, porque os sinais que se insinuam não são animadores e anteveem um enorme problema.
Diante este cenário, é necessária uma generosa dose de racionalidade nas decisões de forma a se garantir a atividade operacional das empresas, todavia as estatísticas são testemunha que nestes cenários mais adversos, as empresas não conseguem inverter a situação por inação e entram num estado comatoso. Este é um erro muito comum e com uma mortalidade muita elevada no meio empresarial.
Para se evitar a morte súbita ou mesmo a eutanásia da empresa, o legislador como tem revelado uma preocupação na alteração progressiva do código da insolvência e da legislação avulsa.
Neste momento, as empresas e os empresários dispõem de quatro recursos extrajudiciais e judiciais para revitalizarem os seus negócios. A saber:
• Regime Extrajudicial de Recuperação de Empresas (RERE)
É um processo de adesão voluntária ao qual podem concorrer empresas e pessoas singulares titulares de empresas que estejam em situação económica difícil ou em situação de insolvência iminente.
Este procedimento permite iniciar negociações com os credores, procurando um acordo de reestruturação empresarial que permita a manutenção da atividade da empresa – Acordo, que é negociado livremente pelas partes e sem intervenção judicial.
Como requisito formal, o procedimento carece da vontade do devedor e do(s) credor(es) que representem, pelo menos, 15% do passivo do devedor não subordinado (no PER o requerimento tem que ser subscrito pelo devedor e credores titulares de, pelo menos, 10% de créditos não subordinados).
Recorrendo ao RERE, o devedor deve: fornecer informação atualizada, verdadeira e completa sobre a sua situação económica e financeira; indicar os credores com os quais pretende encetar negociações sendo também a adesão às negociações e assinatura do acordo por parte dos credores voluntária; o acordo de reestruturação tem que ser depositado na conservatória do registo comercial, mas a sua publicação, se o devedor assim o entender, pode não se realizar.
Como se depreende, o acordo de restruturação só vincula os credores que subscrevam o acordo sendo que, todos os demais que não participem, não são abrangidos pelo acordo nem suspendem as execuções em que estes sejam autores.
A suspensão de diligências de pagamento coercivas e pedidos de insolvência apenas se efetiva com o depósito do acordo na Conservatória e apenas naqueles em que sejam partes os credores e créditos abrangidos pelo acordo.
Quanto ao prazo para concluir as negociações, o RERE prevê três meses.
• Processo Extraordinário de Viabilização de Empresas (PEVE)
Anunciado como a vacina para as Empresas que, devido à COVID 19, se encontram em situação económica difícil ou de insolvência (iminente ou atual), tem um regime legal muito semelhante ao do Processo Especial de Revitalização (PER), na sua versão simplificada, de homologação.
Embora se registe um reforço das soluções para recuperar as empresas com dificuldades em tempos de COVID 19, as medidas adotadas ainda continuam aquém do esperado pois, o destino das PMEs, continua subordinado aos interesses dos grandes credores (Banca e Estado).
As empresas, que à data da apresentação do requerimento não tenham pendente processo especial de revitalização ou processo especial para acordo de pagamento, passam a ter a possibilidade de alcançar um acordo extrajudicial com os seus credores que, uma vez obtido, é sujeito a homologação pelo Tribunal a quem cabe aferir do preenchimento dos pressupostos legais.
O procedimento tem como requisitos de admissibilidade:
1. Fazer constar que o requerente reúne as condições necessárias para a sua viabilização;
2. A escrituração legal obrigatória (art.º 3º n.º 3 do CIRE) deve refletir que, em 31 de dezembro de 2019, existia um ativo superior ao passivo;
3. Uma declaração escrita e assinada pelo órgão de administração da empresa, onde se ateste que a situação em que se encontra é derivada da pandemia (doença COVID-19) e que reúne as condições necessárias para a sua viabilização;
4. Um acordo de viabilização assinado pela empresa e por credores que representem, pelo menos, a maioria dos votos previstos no n.º 5 do artigo 17.º-F do CIRE;
5. Uma relação de todos os credores assinada pelo contabilista certificado ou revisor oficial de contas.
Se o procedimento for aceite, o juiz nomeia um Administrador Judicial Provisório por sorteio, devendo atender à indicação do devedor apenas nos casos em que a viabilização da empresa carece de especiais conhecimentos.
Proferida decisão, e entre outros efeitos do PEVE, destaca-se:
1. Proibição de instauração de qualquer ação para cobrança de dívidas;
2. Suspensão das ações em curso para cobrança de dívidas, extinguindo-se estas logo que seja homologado o acordo;
3. Impossibilidade de praticar atos patrimoniais de especial relevo sem autorização do administrador judicial provisório (art.º 161.º do CIRE);
4. Suspensão dos processos de insolvência pendentes (desde que não tenha sido proferida sentença de insolvência);
5. Suspensão dos prazos de prescrição e de caducidade oponíveis pela empresa;
6. Impossibilidade de suspensão da prestação dos serviços públicos essenciais: Serviço de fornecimento de água / Serviço de fornecimento de energia elétrica / Serviço de fornecimento de gás natural e gases de petróleo liquefeitos canalizados / Serviço de comunicações eletrónicas / Serviços postais / Serviço de recolha e tratamento de águas residuais / Serviços de gestão de resíduos sólidos urbanos.
A lei prevê uma flexibilização dos acordos prestacionais relativos a créditos do Estado, nomeadamente: redução de taxas de juro nos seguintes termos: a) 25 % em planos prestacionais de 73 até 150 prestações mensais; b) 50 % em planos prestacionais de 37 e até 72 prestações mensais; c) 75 % em planos prestacionais até 36 prestações mensais; d) Totalidade de juros de mora vencidos, desde que a dívida se mostre paga nos 30 dias seguintes à homologação do acordo.
O Acordo necessita de uma maioria substancial de credores votantes para merecer acolhimento judicial. Na generalidade dos processos temos:
– A banca: Que não assina nem se vincula a acordos com PMEs… salvo se isso lhe for conveniente e em condições que não se apresentam como vantajosas para as empresas;
– AT e Segurança Social: Que também não assinam coisa nenhuma e muito menos no prazo de 30 dias.
• Processo Especial de Revitalização da Empresa (PER)
Aplicável apenas às pessoas coletivas que se encontrem em risco de insolvência ou em situação económica difícil, é uma ferramenta que antecede a insolvência e que pretende evitar os efeitos do processo falimentar e venda e liquidação de todo o património – enquanto garantia dos credores.
O procedimento não se aplica às empresas que estejam em situação de insolvência – entendendo-se que estas já não possuem condições para serem recuperadas. Requisito que na prática não é fiscalizado pelos tribunais pois a grande generalidade das empresas que se apresenta ao PER, já se encontra numa situação de insolvência.
O PER suspende o direito a requerer a insolvência do devedor ou já requerida e as ações executivas e declarativas contra o devedor de cariz patrimonial.
A situação que proporciona o acesso um PER são as dificuldades de tesouraria, que condicionam a satisfação dos compromissos correntes.
O procedimento é iniciado via requerimento dirigido ao tribunal subscrito pelo devedor e por credores titulares de, pelo menos, 10% de créditos não subordinados. Após apreciação judicial, o juiz, nomeia um administrador judicial que vai acompanhar todo o processo – cabendo ao Administrador judicial autorizar a prática de atos de especial relevo.
Como nos demais meios de recuperação, uma vez elaborado o plano de recuperação e restruturação da dívida (tendo por base a dilatação dos prazos de pagamento ou mesmo no perdão de parte da dívida, permitindo ao devedor manter-se em atividade), este é submetido aos credores para votação. Credores que, em regra, e com poder de voto, são sempre os mesmos: Segurança Social, Fisco, e a Banca.
O período de negociações, até à aprovação ou rejeição do plano tem a duração de dois meses prorrogável por mais um por solicitação do devedor e do Administrador judicial.
A aprovação do PER pode concretizar-se mediante dois critérios/maiorias bastante diferentes e que, na prática, fazem toda a diferença:
1. Maioria de mais de metade dos votos correspondentes à totalidade dos créditos relacionados (devendo mais de metade dos votos emitidos corresponder a créditos não subordinados desconsiderando as abstenções).
2. Maioria de votos que correspondam a 1/3 de todos os créditos relacionados com direito a voto, devendo os votos favoráveis corresponder a uma maioria qualificada de 2/3 dos votos expressos (não se considerando as abstenções nem os votos contra).
O PER pretende ser uma ferramenta de suporte às empresas com condições de viabilidade de negócio de forma a evitarem a liquidação do seu património, apoiar a manutenção da sua atividade, emprego, clientes e fornecedores.
O PER tem como destinatários as empresas em situação económica difícil e de insolvência iminente, criando um instrumento alternativo à insolvência que se anuncia mais ágil e mais eficaz para a sua proteção e recuperação.
Se terminar sem aprovação dos credores, sobram dois cenários:
– Se a Insolvência se mantiver “iminente”, e após parecer do Administrador judicial, extingue-se o PER sem efeitos para o devedor/requerente do procedimento.
– Se o parecer do Administrador Judicial inclinar-se no sentido de existir uma situação de “insolvência atual”, esta é decretada pelo tribunal.
• PLANO DE INSOLVÊNCIA
A alternativa pode ser avançar com um processo de insolvência em tribunal. O processo de insolvência permite aos empresários abrir a porta a um processo de recuperação – contrariamente ao PER, neste procedimento declara-se primeiro a insolvência por sentença e posteriormente, apresenta-se o plano de recuperação para votação dos credores.
A maioria necessária para aprovação do Plano de Insolvência é mais rigorosa que no PER, exigindo a lei que “estejam presentes ou representados na reunião credores cujos créditos constituam, pelo menos, um terço do total dos créditos com direito de voto, recolher mais de dois terços da totalidade dos votos emitidos e mais de metade dos votos emitidos correspondentes a créditos não subordinados, não se considerando como tal as abstenções”.
O plano de insolvência deve indicar a sua finalidade, descrever as medidas necessárias à sua execução e conter todos os elementos relevantes para a sua aprovação (pelos credores) e homologação (pelo juiz).
No entanto, o conteúdo do plano não é circunscrito de forma taxativa na lei. Nem poderia sê-lo pois, cada processo e cada empresa apresentam situações económicas diferenciadas. No entanto nunca se pode omitir o seu fim: a prossecução dos interesses dos credores. Por conseguinte, o plano deve ser robusto para sustentar as medidas a que se propõe – que afetam a massa – e para que não seja recusada a sua homologação pelo juiz.
Entre os vários elementos considerados relevantes, e enunciados no art. 195.º n.º 2 do CIRE será necessário indicar através de que meio será obtida a satisfação dos credores: plano de liquidação da massa insolvente; plano de recuperação do titular da empresa; ou plano de transmissão da empresa a outra entidade.
Contudo, e embora não venha enunciado no art. 195.º n.º 2 al. b), existe ainda um outro meio para a obtenção da satisfação do credor, o plano misto. Este plano, consagrado no art. 162.º, consiste na transmissão de certas partes da empresa, quando se reconheça vantagem na liquidação ou alienação separada da mesma.
Quando a finalidade é a recuperação, a elaboração do plano deve ser feita em moldes rigorosos e sustentáveis, assumindo complexidade pela necessária análise e perspetiva económica.
Identificar e compreender a natureza, causa e fase do ciclo negativo, é meio caminho andado para conseguir reestruturar, recuperar ou reorganizar o negócio.
Escolher qual o procedimento que melhor se adapta à empresa, dentro da panóplia das várias soluções legais, é o passo seguinte.
As empresas que chegam à necessidade destas medidas de fim de linha, já não dispõem de grandes alternativas. No entanto a natureza destes mecanismos, pretendem ser uma esperança de renascimento, uma última oportunidade para reverter um ciclo negativo e fundar os alicerces para uma nova etapa.
23-02-3021