A violência obstétrica é um fenômeno multifacetado que envolve uma série de práticas inadequadas e desrespeitosas durante o processo de assistência ao parto e ao nascimento. Embora seja um tema que desperta crescente atenção e debate nos últimos anos, ainda persistem desafios significativos na sua identificação e prevenção. Neste contexto, é crucial refletir sobre a relevância dos princípios jurídicos para a proteção dos direitos das mulheres no contexto obstétrico, considerando tanto a legislação internacional quanto a legislação nacional.

Definição e manifestações

A violência obstétrica, segundo a OMS, abrange “a apropriação indevida do corpo e dos processos reprodutivos das mulheres por profissionais de saúde, que se expressa em uma série de práticas desumanizantes, violentas e discriminatórias durante a gravidez, parto e puerpério“.

Em Portugal, essa violência se manifesta de diversas formas, desde a negligência e o desrespeito à autonomia da mulher até a medicalização excessiva do parto, episiotomias desnecessárias, uso abusivo de fórceps, violência verbal e humilhação.

Impactos na saúde física e mental

As consequências da violência obstétrica são devastadoras, impactando não apenas a saúde física das mulheres, mas também sua saúde mental e emocional. Traumas, depressão pós-parto, distúrbios de ansiedade, incontinência urinária e disfunções, sexuais são apenas algumas das repercussões.

Aspetos legais e responsabilidade civil

Em Portugal, a violência obstétrica ainda não é tipificada como crime específico. No entanto, diversos instrumentos jurídicos podem ser utilizados para responsabilizar os profissionais de saúde e as instituições de saúde, como:

  • Constituição da República Portuguesa: garante o direito à saúde, à integridade física e psíquica e à igualdade de tratamento (art.ºs 25.º, 26.º e 27.º).
  • Código Civil: estabelece a responsabilidade civil por danos causados por negligência ou dolo (art.ºs 483.º).
  • Código de Deontologia Médica: define os princípios éticos que norteiam a atuação dos médicos, incluindo o respeito pela autonomia do paciente e o dever de informação (art.ºs 14.º e 19.º).

Ações para Combater a Violência Obstétrica

O combate à violência obstétrica exige uma abordagem multifacetada, que inclua:

  • Formação dos profissionais de saúde: com foco na humanização do parto, na comunicação eficaz e no respeito à autonomia da mulher.
  • Protocolos e diretrizes clínicas: que assegurem boas práticas obstétricas e minimizem a medicação desnecessária.
  • Ampliação do acesso à informação: para que as mulheres conheçam seus direitos e possam tomar decisões informadas sobre seu parto.
  • Criação de canais de denúncia: para que casos de violência obstétrica sejam devidamente notificados e investigados.
  • Apoio às vítimas: com acompanhamento psicológico e jurídico especializado.

A violência obstétrica é uma questão complexa que procura uma abordagem multidisciplinar e a atuação conjunta de diferentes atores sociais, incluindo o sistema jurídico. A proteção dos direitos das mulheres no parto não é apenas uma questão de saúde pública, mas simultaneamente uma questão de justiça e respeito dos direitos humanos fundamentais.

25-03-2024

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Susana Canêdo - Advogada
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