Em Portugal, a relação entre senhorios e inquilinos é, muitas vezes, um reflexo das dinâmicas humanas mais complexas: confiança, compromisso e, por vezes, tensões nascidas de expectativas desalinhadas. No coração desta relação está a renda, um valor que não é apenas um número, mas um símbolo de equilíbrio entre o direito à propriedade e o direito à habitação.
A atualização das rendas, regulada por legislação específica, é um tema que desperta curiosidade e, por vezes, apreensão. Afinal, quando e em que momento é legítimo atualizar o valor da renda? Como garantir que este processo seja justo, transparente e respeite tanto o senhorio como o inquilino?
O enquadramento legal
A atualização das rendas em Portugal está regulada, principalmente, pelo Novo Regime do Arrendamento Urbano (NRAU), aprovado pela Lei n.º 6/2006, de 27 de fevereiro, e pelas suas posteriores alterações, bem como pelo Código Civil, que estabelece os princípios gerais do contrato de arrendamento. Este regime jurídico procura modernizar o mercado de arrendamento, promovendo a estabilidade contratual e protegendo os direitos de ambas as partes.
De acordo com o artigo 1077.º do Código Civil, a renda é a contrapartida económica pelo uso do imóvel, e o seu valor pode ser atualizado em função de critérios legais, desde que respeitados os procedimentos previstos na lei. Já o NRAU, no seu artigo 24.º, define as condições para a atualização anual das rendas em contratos de arrendamento para habitação ou não habitação, estabelecendo que esta só pode ocorrer com base no coeficiente de atualização de rendas, publicado anualmente pelo Instituto Nacional de Estatística (INE).
Este coeficiente é calculado com base na taxa de inflação (excluindo a habitação) dos últimos 12 meses e reflete a variação do custo de vida. Por exemplo, em 2024, o coeficiente de atualização foi de 1,0699 (Publicação em Diário da República), o que significou que as rendas poderiam ser aumentadas em 6,99%, caso o senhorio optasse por aplicar a atualização. Mas, atenção: a aplicação deste coeficiente não é automática. O senhorio deve manifestar a sua intenção de atualizar a renda, respeitando prazos e formalidades legais.
Quando atualizar a renda? momentos e condições
A atualização da renda não é um capricho, mas um direito condicionado. A lei estabelece momentos específicos e condições claras para que o aumento seja legítimo:
- Periodicidade Anual: A renda só pode ser atualizada uma vez por ano, após o primeiro ano de vigência do contrato. Por exemplo, se o contrato foi celebrado em 1 de janeiro de 2024, a primeira atualização só pode ocorrer a partir de 1 de janeiro de 2025, mediante comunicação prévia.
- Comunicação Prévia e Formal: Nos termos do artigo 24.º, n.º 2 do NRAU, o senhorio deve notificar o inquilino, por escrito, com uma antecedência mínima de 30 dias, indicando o novo valor da renda e o coeficiente aplicado. Esta comunicação é essencial para garantir transparência e evitar litígios. Uma simples conversa verbal ou uma mensagem informal não cumpre os requisitos legais.
- Contratos Antigos e Regime Transitório: Para contratos celebrados antes de 1990, sujeitos ao regime de renda condicionada ou vinculada, a atualização segue regras específicas previstas no NRAU. Nestes casos, a transição para o regime de renda livre pode implicar aumentos mais significativos, mas sempre com salvaguardas para proteger inquilinos em situações de vulnerabilidade, como idosos ou pessoas com carência económica, conforme o artigo 35.º do NRAU.
- Limites Excecionais: Em momentos de crise económica ou inflação elevada, o legislador pode intervir para limitar os aumentos. Um exemplo recente foi a Lei n.º 19/2022, de 21 de outubro, que, face à escalada da inflação, limitou temporariamente o coeficiente de atualização para 2023 a 2%, protegendo os inquilinos de aumentos abruptos.
A humanidade por trás dos números
Por de trás de cada contrato de arrendamento há histórias de vida. Para o inquilino, a renda representa uma parte significativa do orçamento familiar, muitas vezes equilibrada com sacrifício. Para o senhorio, a renda pode ser uma fonte essencial de rendimento, especialmente para quem depende dela na reforma ou para manter o imóvel em condições. A lei, ao regular a atualização das rendas, procura mediar estas realidades, promovendo um equilíbrio que nem sempre é fácil de alcançar.
Imagine o caso de Dona Maria, uma reformada de 72 anos que arrenda um pequeno apartamento em Lisboa. Para ela, a renda é um complemento indispensável à sua pensão. No entanto, o seu inquilino, o jovem casal João e Ana, enfrenta dificuldades financeiras devido ao aumento do custo de vida. Quando Dona Maria decide atualizar a renda com base no coeficiente legal, faz questão de enviar uma carta respeitosa, explicando as suas razões e mostrando abertura para dialogar. Este gesto simples, embora não exigido por lei, reflete a empatia que pode transformar uma relação jurídica numa relação de respeito mútuo.
Por outro lado, inquilinos como João e Ana têm o direito de verificar se a atualização proposta cumpre os requisitos legais. Caso a comunicação não tenha sido feita corretamente ou o aumento ultrapasse o coeficiente permitido, podem contestar, recorrendo, se necessário, a um advogado especializado.
Um apelo ao diálogo e à justiça
A atualização das rendas não precisa de ser um campo de batalha. Quando senhorios e inquilinos conhecem os seus direitos e deveres, o processo torna-se mais fluido e menos conflituoso. A legislação portuguesa, com as suas regras claras e mecanismos de proteção, oferece um caminho para que ambos os lados sejam ouvidos. Contudo, mais do que cumprir a lei, é a capacidade de dialogar, de compreender as necessidades do outro, que faz a diferença.
Se é senhorio, pondere a situação do seu inquilino antes de aplicar a atualização. Se é inquilino, esteja atento aos seus direitos, mas também às responsabilidades que assumiu ao assinar o contrato. E, acima de tudo, recorde-se de que por trás de cada renda há pessoas, sonhos e desafios. A lei existe para guiar, mas é a empatia que constrói pontes.
Em última análise, a atualização das rendas em Portugal é um exercício de equilíbrio entre o respeito pela propriedade e a dignidade da habitação. Com a orientação do NRAU, do Código Civil e de uma postura humanizada, é possível transformar este processo numa oportunidade de reforçar a confiança entre senhorios e inquilinos, construindo um mercado de arrendamento mais justo e sustentável para todos.
06-10-2025