Dizem que o amor é cego, mas a verdade é que ele devia era usar óculos de leitura para dar uma vista de olhos ao Código Civil antes do casamento. E não, não é por falta de romance que se fala nisso—é por precaução. O amor pode ser eterno, mas o património… esse convém estar bem esclarecido logo à partida.
A convenção antenupcial, regulada pelos artigos 1698.º a 1716.º do Código Civil, permite que os noivos escolham o regime de bens que regerá o casamento. Se nada for dito, aplica-se automaticamente o regime da comunhão de adquiridos (art. 1717.º), o que significa que tudo o que cada um adquirir depois do casamento será partilhado. Mas, caso os futuros cônjuges queiram um arranjo diferente por exemplo, separação de bens ou comunhão geral é necessário formalizar essa decisão antes do casamento, através de uma convenção antenupcial.
E é aqui que entram os óculos de leitura: porque decidir um regime de bens não é falta de amor, é sinal de maturidade. O casal não está a prever o divórcio, está apenas a fazer um contrato responsável, como se faz com tudo na vida desde comprar uma casa até assinar um seguro. A diferença? Este contrato envolve não só património, mas também uma promessa de vida a dois.
Escolher um regime de bens: decisão racional ou presságio do fim?
Ainda há quem pense que discutir bens antes do casamento dá azar, como se um casal que fala de dinheiro estivesse a assinar um divórcio antes mesmo de cortar o bolo. Mas a verdade é que o artigo 1698.º do Código Civil garante plena liberdade de escolha aos noivos. E mais: a convenção antenupcial deve ser celebrada por escritura pública ou por ato lavrado pelo conservador do registo civil (art. 1710.º), garantindo transparência e segurança para ambas as partes.
Seja qual for o regime escolhido, ele terá impacto na vida conjugal. No regime de comunhão geral de bens, por exemplo, até os bens adquiridos antes do casamento passam a ser comuns. Já no regime de separação de bens—obrigatório, aliás, para noivos com mais de 60 anos, por força do artigo 1720.º do Código Civil—cada um mantém os seus bens separados, sem que haja partilha em caso de divórcio.
Portanto, optar ou não por uma convenção antenupcial não tem a ver com desconfiança, mas com responsabilidade. Afinal, ninguém casa a pensar no fim, mas se há algo que o direito nos ensina é que a vida é cheia de surpresas.
E se não houver convenção?
Se os noivos não fizerem uma convenção antenupcial, o casamento será regido pelo regime da comunhão de adquiridos. Parece simples, mas há um detalhe que muitos desconhecem: este regime separa os bens adquiridos antes do casamento dos adquiridos depois, mas nem sempre de forma linear. Em caso de separação, pode haver discussões sobre o que pertence a quem, especialmente quando há negócios, heranças ou investimentos conjuntos.
Assim, a convenção antenupcial não é um gesto frio ou um “plano B” para o divórcio. É apenas um meio legal para definir as regras do jogo antes de começar a partida e, convenhamos, um casal que consegue conversar sobre isso sem discutir já tem meio caminho andado para um casamento feliz.
A convenção antenupcial não é para os que desconfiam do amor, mas para os que confiam na razão. Ela permite que cada casal estabeleça, de forma clara e jurídica, como será gerido o património dentro do casamento. Afinal, amor e dinheiro podem não ser a mesma coisa, mas quando misturados sem um bom plano, podem dar origem a problemas.
Portanto, antes de dizer o “sim” no altar, talvez valha a pena um “sim” no notário. Não custa nada e pode evitar muitos dissabores no futuro.
17-03-2025