Imagine o seguinte cenário: uma empresa portuguesa de dimensões médias, com décadas de história e um “pedigree” respeitável, enfrenta dificuldades financeiras severas. Cheques devolvidos, contratos cancelados, fornecedores irredutíveis. É o tipo de crise que os gestores sempre acreditam que podem contornar. Afinal, a situação vai melhorar, não vai? Talvez sim. Talvez não. Mas, se a situação se descontrola ao ponto de ser clara a incapacidade de cumprir compromissos financeiros, o Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas (CIRE) já não permite que o gestor fique à espera de um milagre. Em vez disso, exige uma ação responsável e célere, que se traduz, na apresentação da empresa à insolvência.
A obrigatoriedade de apresentar a insolvência: uma questão de tempo
De acordo com o artigo 18.º do CIRE, quando uma empresa, ou qualquer pessoa singular, se encontra em situação de insolvência – ou seja, incapaz de cumprir pontualmente as suas obrigações – é obrigatório o pedido de insolvência até um prazo de seis meses. Isto significa que o gestor não pode, de forma indefinida, manter a esperança de dias melhores. Pelo contrário, deve agir em prol dos credores, da transparência e, até certo ponto, da própria economia.
Mas por que razão o limite de seis meses? Esta é a pergunta que muitos administradores colocam. A resposta está no risco de agravamento do passivo, que é o efeito bola de neve: quanto mais tempo passa, maior é probabilidade de aumentam os prejuízos, as dívidas e, consequentemente, a perda de valor para todos os envolvidos. Este prazo limite de seis meses procura exatamente evitar que se acumulem dívidas descontroladamente e que o passivo da empresa ultrapasse o que ainda há de ativos disponíveis.
As consequências de não apresentar a insolvência
A sanção para quem não cumpre esta obrigação também é significativa. O CIRE estabelece que o administrador de uma empresa que, em desrespeito ao prazo, deixa de requerer a insolvência arrisca-se a ser condenado por culpa grave e, em último caso, responsabilizado pelos prejuízos causados aos credores. Além disso, em caso de condenação, a sua reputação sofre um golpe profundo, e a marca de um processo de insolvência mal gerido pode ser duradoura.
A legislação tenta, através da imposição deste prazo, forçar os administradores a uma análise honesta e objetiva da situação financeira. É um convite à tomada de decisões difíceis, mas, potencialmente, ao início de um processo de reestruturação. Em alguns casos, este momento crítico pode mesmo significar a diferença entre um encerramento abrupto e uma recuperação bem-sucedida, protegendo empregos, património e, em última instância, a reputação do próprio gestor.
Não é um processo fácil, e a própria legislação reconhece a dificuldade da decisão, motivo pelo qual, em muitos casos, há suporte especializado, desde gabinetes de contabilidade a consultores de insolvência e advogados, para ajudar a interpretar os sinais de insolvência iminente e o melhor caminho a seguir.
É, portanto, uma norma que, se inicialmente pode parecer uma intromissão estatal, acaba por ser uma ferramenta de proteção – quer para os credores, quer para o próprio administrador, que fica resguardado de acumular responsabilidades que não poderá gerir. Desta forma, o artigo 18.º do CIRE, com os seus seis meses limite, é um lembrete de que, mais do que salvar uma empresa em apuros, o objetivo é salvar o que resta dela e proteger quem foi impactado.
E depois da insolvência?
A insolvência não é o fim, mas sim um novo começo. Através do processo de insolvência, é possível renegociar as dívidas, vender os ativos da empresa e, em alguns casos, até mesmo manter a empresa a funcionar.
A insolvência pode parecer um processo assustador, mas é importante lembrar que ela é um instrumento legal que visa proteger tanto a empresa como os seus credores. Ao agir com proatividade e procurar ajuda especializada, é possível superar esta fase e construir um futuro mais promissor.
25-11-2024