A advocacia é uma profissão feita de sombras e silêncios, de noites que se dissolvem na aurora sem que tenhamos notado o tempo passar. É um ofício onde se luta contra o previsível e o imponderável, onde cada palavra escrita carrega o peso de um destino e onde cada vírgula pode ser a linha ténue entre a justiça e a derrota. E, no entanto, pouco se vê desse trabalho invisível.

As pessoas observam o advogado na audiência, de pé, altivo, lançando argumentos com a convicção de quem sabe que está certo. Mas o que não vê são as semanas – por vezes meses – de estudo meticuloso, de noites em claro entre códigos e jurisprudências, de dúvidas cortantes que nos fazem repensar cada estratégia. Não vê as pilhas de processos anotados, os rascunhos rasurados até se encontrarem as palavras exatas que, no momento crucial, farão a diferença.

Ser advogado é carregar, além do peso da lei, o fardo emocional dos clientes. Somos depositários das suas dores, dos seus medos, das suas expectativas. E nem sempre somos vistos como aliados. Há quem desconfie de nós, quem nos veja como meros prestadores de um serviço técnico, alheios à angústia alheia. Mas a verdade é que, em cada caso, levamos conosco algo do cliente, uma parte da sua história, da sua aflição. O nosso triunfo é, também, o seu alívio. E a nossa derrota… essa é uma ferida que carregamos em silêncio.

Muito recentemente, vivi um desses momentos que fazem todo este peso valer a pena. Era um caso difícil, um daqueles onde as probabilidades de vitória eram meras estatísticas e pouco animadoras. Números frios que não refletiam a complexidade humana do problema. Do outro lado, uma máquina bem oleada de argumentos, precedentes, pareceres. Parecia uma luta desigual, e confesso que, por momentos, senti o peso da dúvida sobre os ombros.

Mas a advocacia não é apenas razão e técnica – é também resistência, astúcia, leitura minuciosa do jogo jurídico e humano. É perceber o detalhe que os outros ignoram, a fraqueza na armadura adversária. E foi ali, naquele emaranhado de papéis e testemunhos, que encontrei a pequena frincha pela qual entraria a justiça.

A audiência foi tensa, o embate feroz. Os olhares atravessavam a sala como lâminas afiadas. Cada palavra precisava ser meticulosamente escolhida, cada argumento sustentado com precisão cirúrgica. No momento final, quando levantei a voz para a última alegação, soube que ali estava tudo o que eu tinha – todo o estudo, toda a experiência, todas as horas de solidão com o processo aberto à minha frente.

E então, o veredicto. Favorável.

O cliente emocionou-se. E eu, por dentro, senti aquele raro e profundo alívio, aquela certeza de que, por mais dura que seja a estrada, há momentos em que vale a pena cada segundo de esforço.

A advocacia não é feita apenas de vitórias, mas são elas que nos sustentam. São elas que justificam as noites sem dormir, as incertezas, os sacrifícios invisíveis. Porque, no fim, não é apenas um processo que se ganha – é uma vida que se transforma.

Fevereiro 2025

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Susana Canêdo - Advogada
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