A palavra “corrupção” evoca sempre imagens fortes: malas cheias de dinheiro, encontros em cafés discretos e aquele aperto de mão suspeito que parece durar um segundo a mais do que o necessário. Mas será que sabemos mesmo o que é a corrupção, do ponto de vista jurídico? E mais: será que conseguimos perceber a diferença entre corrupção ativa e corrupção passiva, ou será que estas expressões nos deixam tão confusos quanto a declaração do IRS?

É para isso que estamos aqui hoje: para explicar este conceito com o charme da legislação portuguesa e, quem sabe, arrancar um sorriso enquanto falamos de um tema tão… espinhoso.

O que é a corrupção?

Antes de mais, vamos à definição. De acordo com o Código Penal Português, mais especificamente no artigo 372.º, a corrupção é um crime que acontece quando alguém oferece, promete ou dá uma vantagem indevida (corrupção ativa) ou quando alguém pede ou aceita essa vantagem (corrupção passiva), em troca de um comportamento que comprometa os deveres do cargo ou função que essa pessoa ocupa.

Ou, em português ainda mais claro: corrupção é o famoso “toma lá, dá cá”. Só que, ao contrário do que acontece quando a avó nos oferece um gelado em troca de um sorriso, aqui o “toma lá” e o “dá cá” envolvem benefícios indevidos, como dinheiro, favores ou até aquela viagem de sonho que “coincidentemente” aparece no nosso calendário depois de termos dado uma ajudinha a alguém.

Corrupção ativa vs. corrupção passiva: quem é quem?

Imagine que temos duas personagens: o João e o António. O João precisa que um processo burocrático avance mais depressa. O António, por sua vez, é funcionário público e trabalha no setor que trata desse tipo de processo.

  • Corrupção ativa: O João, ansioso, oferece um envelope ao António para “acelerar” o andamento do seu pedido. O ato de oferecer ou prometer a vantagem (independentemente de António aceitar ou não) constitui corrupção ativa. É o famoso “eu dou-te isto, tu ajudas-me”.
  • Corrupção passiva: O António, por outro lado, aceita o envelope. Ou, num cenário ainda mais ousado, ele próprio pede ao João algo em troca para resolver o problema. Este ato de pedir, aceitar ou simplesmente concordar com a promessa é o que chamamos de corrupção passiva.

A diferença está no papel que cada um desempenha: o ativo é o “oferecedor” e o passivo é o “recebedor”. Ambos cometem crime, e ambos podem acabar a responder na justiça.

As penas previstas: não há saída fácil

Agora que já sabemos quem faz o quê, vamos falar das consequências. Tanto a corrupção ativa como a passiva são punidas com penas de prisão, dependendo da gravidade do caso:

  • Para a corrupção passiva (artigo 373.º do Código Penal), a pena pode variar entre 1 a 8 anos de prisão, se a vantagem for ligada a atos contrários aos deveres do cargo.
  • Para a corrupção ativa (artigo 374.º do Código Penal), quem oferecer a vantagem pode ser punido com prisão de 1 a 5 anos, mas a pena pode subir se o objetivo for obter um ato ilícito.

E, atenção: nem sequer é necessário que o dinheiro ou a vantagem troque efetivamente de mãos. Só o ato de prometer, pedir ou aceitar já constitui crime. Como se diz na gíria, “não precisa de haver fumo para já haver fogo”.

Por que é tão grave?

A corrupção não é só um problema jurídico. É uma questão social, económica e, acima de tudo, ética. Quando alguém aceita “atalhos” ilegais, o sistema deixa de funcionar de forma justa para todos. É como um jogo em que uns jogam com as regras e outros compram o árbitro. No fim, quem perde somos todos nós: confiança nas instituições, igualdade de oportunidades e até recursos públicos que são desperdiçados em esquemas fraudulentos.

O papel de cada um de nós

Combater a corrupção não apenas com leis, mas também com uma cultura de integridade. Por isso, da próxima vez que ouvir alguém dizer “tudo se resolve com um jeitinho”, lembre-se: jeitinhos têm consequências. E, às vezes, vêm com um par de algemas.

Como cidadãos, devemos exigir transparência e recusar participar em esquemas que prejudicam o bem comum. E, quem sabe, um dia chegaremos ao ponto em que “toma lá, dá cá” será só a história da avó e o gelado, e não mais um caso nos tribunais.

17-02-2025

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Susana Canêdo - Advogada
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