Em Portugal, a questão do despejo de inquilinos com mais de 65 anos é um tema que merece uma análise cuidadosa, especialmente à luz do enquadramento jurídico que visa proteger os direitos dos mais vulneráveis. A habitação não é apenas uma necessidade básica, mas um direito consagrado na Constituição da República Portuguesa. Em tempos de incerteza, a segurança habitacional dos mais idosos deve ser defendida com especial zelo.

A proteção legal dos inquilinos seniores, que se insere num contexto mais amplo de proteção dos direitos sociais, ganha especial relevância quando confrontada com situações de despejo. A Lei nº. 6/2006, que regula o regime jurídico do arrendamento urbano, contempla garantias específicas para inquilinos com idade superior a 65 anos ou com grau de incapacidade igual ou superior a 60%. Este diploma, no seu artigo 36.º, estabelece que, em caso de denúncia do contrato de arrendamento para habitação permanente, o senhorio só poderá proceder ao despejo se assegurar ao inquilino uma solução habitacional alternativa, adequada e localizada na mesma área geográfica.

Este requisito legal visa proteger inquilinos seniores de mudanças bruscas que possam ter um impacto negativo significativo na sua qualidade de vida. No entanto, a proteção não é absoluta e existem situações em que o despejo pode ser autorizado.

Quando é possível o despejo?

O NRAU prevê algumas hipóteses de despejo, mesmo para inquilinos com mais de 65 anos, como:

  • Falta de pagamento da renda: O não pagamento da renda, de forma reiterada e injustificada, pode levar ao despejo.
  • Utilização do imóvel para fins diferentes do habitacional: Se o inquilino utilizar o imóvel para fins comerciais ou industriais, por exemplo, o senhorio pode solicitar o despejo.
  • Degradação do imóvel: Em casos de degradação significativa do imóvel por parte do inquilino, o senhorio pode solicitar o despejo.
  • Necessidade de obras de reabilitação: Se o imóvel necessitar de obras de reabilitação profundas e urgentes, o senhorio poderá solicitar o despejo, desde que ofereça ao inquilino uma solução habitacional alternativa.

O debate em curso

A questão do despejo de idosos tem gerado um intenso debate na sociedade portuguesa. Defensores dos direitos dos idosos defendem a necessidade de uma maior proteção legal, enquanto os representantes dos senhorios argumentam que o direito de propriedade deve ser respeitado.

No entanto, a prática apresenta uma realidade que muitas vezes não acompanha a letra da lei. Existem relatos de situações em que inquilinos seniores são pressionados a abandonar as suas casas, sem que lhes sejam oferecidas alternativas dignas, ou em que o processo judicial se arrasta durante anos.

Para além das disposições legais específicas, a Constituição Portuguesa, no seu artigo 65.º, afirma que todos têm direito a uma habitação condigna, e cabe ao Estado assegurar esse direito, promovendo condições que o tornem efetivo. Neste sentido, a atuação dos tribunais e das autoridades locais é crucial para garantir que os despejos não sejam realizados de forma arbitrária. A jurisprudência dos tribunais portugueses tem reconhecido, em várias ocasiões, a necessidade de ponderar cuidadosamente os interesses em jogo, especialmente quando estão em causa inquilinos seniores.

O que fazer?

Assim, é imperativo que tanto os senhorios quanto as autoridades competentes reconheçam e respeitem as especificidades inerentes ao despejo de inquilinos idosos. A sociedade portuguesa, marcada por valores de solidariedade e respeito pelos seus idosos, deve empenhar-se em garantir que estas pessoas, muitas vezes com décadas de residência no mesmo local, não sejam desarraigadas de forma injusta ou insensível.

A mobilização do Estado através de políticas públicas que promovam a construção de medidas de suporte robustas e efetivas orientada a cidadãos seniores que apresentem uma fragilidade económica também é um imperativo mitigador desta problemática social.

O cidadão arrendatário com mais de 65 que se encontre num cenário desta natureza, deve conhecer os seus direitos e procurar suporte especializado que lhe permita uma orientação jurídica em defesa dos seus direitos.

O despejo de idosos é um problema complexo que exige uma resposta abrangente e multifacetada. A proteção dos direitos dos idosos deve ser uma prioridade, mas também é preciso encontrar soluções equilibradas que respeitem os direitos de propriedade dos senhorios. A busca por um consenso entre estes dois interesses é fundamental para garantir uma sociedade mais justa e inclusiva.

02-09-2024

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Susana Canêdo - Advogada
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