Ah, o amor! Aquele sentimento que começa com borboletas no estômago, olhares apaixonados e promessas de “até à eternidade”. Mas, como diz o ditado, “nem tudo o que brilha é ouro”. Às vezes, o “felizes para sempre” transforma-se no temido “quem fica com o sofá?”. Sim, estamos a falar do processo de partilha judicial de bens entre ex-cônjuges, um tema tão sério quanto necessário, mas que pode ser desmistificado com um pouco de leveza (e paciência).

Então, se o amor já deu o que tinha a dar e o divórcio já é uma realidade, o próximo passo é dividir o que o casal acumulou ao longo do relacionamento. No entanto, quando não há acordo entre as partes, é aí que entra o tribunal para, com a ajuda da lei, dissipar as eventuais divergências.

O que diz a Lei

A partilha de bens é regulada pelo Código Civil português, em particular nos artigos que tratam do regime de bens do casamento. Dependendo do regime adotado (comunhão de bens adquiridos, comunhão geral de bens ou separação de bens), a divisão será feita de forma diferente.

Mas, e quando as coisas não são assim tão simples? Quando ambos querem o mesmo carro ou não concordam sobre o valor da casa? Nesses casos, o processo de partilha judicial torna-se necessário. Conforme o disposto no artigo 1720.º e seguintes do Código Civil, dissolvido o casamento, extingue-se o regime de bens, e, se não houver consenso, o tribunal será o árbitro imparcial dessa disputa.

Como funciona a partilha judicial?

Quando os ex-cônjuges não conseguem acordar sobre quem fica com o quê, após o divórcio, qualquer uma das partes pode pedir a partilha judicial. Este é um processo formal, regulado pelo Código de Processo Civil, onde um tribunal intervém para resolver a questão.

  1. Iniciar o processo: Um dos ex-cônjuges faz o requerimento ao tribunal, que será o responsável por promover a divisão dos bens. Nesta fase, é importante anexar todos os documentos que comprovem a existência dos bens a serem partilhados (certificados de imóveis, contratos, faturas de aquisição de bens, etc.).
  2. Nomeação de um perito: O tribunal pode nomear um perito ou mediador para avaliar os bens. E é aqui que as coisas podem ficar… divertidas. Já imaginou um perito a tentar atribuir um valor sentimental a um sofá que “viu” a primeira discussão do casal?
  3. Conferência de interessados: Nesta etapa, os ex-cônjuges, acompanhados dos seus advogados, apresentam as suas propostas de divisão dos bens. O objetivo é, claro: tentar chegar a um consenso – o que nem sempre acontece. Se não houver acordo, o juiz toma a decisão final, dividindo os bens de acordo com a Lei.
  4. A decisão final: E, assim, de caneta em punho, o tribunal decide quem fica com o quê. A casa, o carro, os móveis… Tudo será atribuído, seja de forma igualitária, seja compensando financeiramente uma das partes.

É possível evitar a partilha judicial?

A boa notícia é que, se ambos tiverem a capacidade de negociar, é perfeitamente possível evitar o tribunal e resolver tudo de forma amigável. Afinal, para quê prolongar um processo que pode ser desgastante e demorado? O ideal é sempre tentar chegar a um acordo extrajudicial, o qual pode ser homologado em cartório ou até mesmo em tribunal, evitando as complexidades de um processo de partilha litigiosa.

Separar bens, mas manter o bom senso

A partilha judicial de bens entre ex-cônjuges pode ser um processo desgastante e, em muitos casos, emocionalmente difícil. No entanto, a legislação portuguesa está estruturada para garantir que esta divisão seja justa e equilibrada. Mais do que batalhar por objetos materiais, é fundamental lembrar que a paz de espírito vale muito mais do que um sofá ou um carro.

Como em qualquer processo, o diálogo e o respeito mútuo podem fazer toda a diferença. Afinal, o casamento pode ter chegado ao fim, mas não é necessário que a divisão dos bens se transforme numa guerra interminável. Assim, na próxima vez que estiver em vias de se separar e pensar “quem fica com a televisão?”, lembre-se de que a Lei existe para auxiliar à realização de justiça, mas o bom senso será sempre o melhor ingrediente para ultrapassar este turbilhão emocional e jurídico.

30-09-2024

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Susana Canêdo - Advogada
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