No palco da vida em sociedade, onde se entrelaçam os fios da individualidade e da coletividade, surge o dever de auxílio como um imperativo moral e jurídico, construído contra a indiferença e a inércia diante o sofrimento alheio. No ordenamento jurídico português, este dever encontra eco no artigo 200º do Código Penal, que tipifica o crime de omissão de auxílio, punindo com pena de prisão até um ano ou com pena de multa até 120 dias quem, em caso de grave necessidade, “deixar de prestar o auxílio necessário ao afastamento do perigo”.

Para além da esfera penal, o dever de auxílio encontra-se defendido em diversos diplomas legais, como o artigo 1674º do Código Civil, que impõe aos cônjuges a obrigação de socorro e auxílio mútuos, e o artigo 1874º do mesmo Código, estende o dever de auxilio entre pais e progenitores.

A caracterização do crime de omissão de auxílio exige a reunião de um conjunto de elementos, a saber:

Situação de grave necessidade: Afigura-se como ponto de partida a existência de uma situação que coloque em perigo a vida, a saúde, a integridade física ou a liberdade de outrem. Essa situação pode ser decorrente de um desastre, acidente, calamidade pública ou qualquer outra circunstância que exija uma intervenção imediata para evitar um mal maior.

Conhecimento da situação: O agente deve ter conhecimento da situação de perigo e da necessidade de auxílio. Esse conhecimento pode ser direto, ou seja, ter presenciado o evento que deu origem à situação de perigo, ou indireto, caso tenha tomado conhecimento do fato por outros meios, como por intermédio de terceiros ou dos órgãos de comunicação social.

Possibilidade de auxílio: O agente deve ter a capacidade física e os meios necessários para prestar o auxílio. Essa capacidade deve ser aferida de acordo com as circunstâncias do caso concreto, levando em conta a idade, saúde, condições físicas e psicológicas do agente, bem como os recursos disponíveis no momento.

Falta de auxílio: O elemento essencial do crime reside na omissão de auxílio por parte do agente. Essa omissão pode consistir na recusa em prestar auxílio pessoal, na omissão de chamar os serviços de emergência ou na omissão de tomar outras medidas adequadas à situação.

Resultado do crime: O crime de omissão de auxílio é um crime de perigo, o que significa que não se exige a verificação de um resultado danoso para a vítima. Basta a omissão do agente em face da situação de perigo para que o crime se configure.

Exceções ao dever de auxílio:

Em determinadas situações, o dever de auxílio pode ceder lugar a outros interesses ou valores jurídicos, afastando a responsabilidade penal do agente. As principais exceções são:

  • Risco para a própria vida ou saúde: O agente não é obrigado a colocar em risco a sua própria vida ou saúde para prestar auxílio a outrem.
  • Dever legal de omissão: Em certos casos, a lei impõe o dever de omissão, como no caso do sigilo profissional médico ou do sigilo bancário.
  • Falta de capacidade: O agente não é obrigado a prestar auxílio se não tiver a capacidade física ou os meios necessários para tal.

O crime de omissão de auxílio serve como um alerta da nossa responsabilidade individual e coletiva para com o bem-estar alheio. Ao punir a indiferença e a inércia diante do sofrimento, o Direito português busca promover uma sociedade mais solidária e compassiva, onde a ajuda mútua se ergue como um pilar fundamental da coexistência humana.

17-06-2024

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Susana Canêdo - Advogada
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