Ser advogada é uma profissão fascinante, mas há um pequeno problema: muitos, por desconhecimento ou puro otimismo, acreditam que, ao vestirmos a toga, adquirimos superpoderes, como se fôssemos a versão jurídica do Harry Potter e capazes de transformar um caso perdido numa vitória épica com um simples: “Expecto Patronum!” ou, vá lá, um artigo da Constituição bem citado. Spoiler alert: não somos. O advogado não faz milagres. E, no entanto, as expectativas dos clientes são tantas e ocasionalmente delirantes, que por vezes penso que devíamos incluir no mandato com o cliente uma cláusula com o seguinte termo: “Caro cliente, se não existirem provas, testemunhas ou um pingo de consistência legal, bebemos um café e prometo partilhar o número de telefone da taróloga da minha tia.”

A culpa não é inteiramente dos clientes, claro. A televisão tem a sua quota parte de responsabilidade. Séries como Suits ou Better Call Saul mostram advogados eloquentes, de fato impecável, que entram numa sala de tribunal com um discurso improvisado e, zás!, convencem o juiz, o júri e até a senhora da limpeza de que o cliente é um santo incompreendido. Na vida real, se eu entrar num tribunal sem provas e tentar ganhar uma causa com charme e uma citação de Shakespeare, o juiz olha para mim como se eu fosse uma aluna do Chapitô, que se esqueceu do nariz vermelho em casa. E com razão.

Vamos imaginar uma situação típica: O cliente entra no meu escritório, senta-se diante de mim e com ar de quem acabou de ver o Senhor dos Anéis e acha que eu sou o Gandalf: “Doutora, eu sei que não tenho testemunhas, que a outra parte tem documentos assinados por mim a admitir tudo e que existe um vídeo em 4K a mostrar-me a fazer exatamente o que dizem que eu fiz. Há possibilidade de ganhar o caso, certo?” Meu caro, eu sou advogada, não sou o Houdini. Se o caso é uma casa a arder, eu não chego com um extintor mágico para apagar o fogo chego, no máximo, com um balde de água morna e a esperança de que o juiz esteja num dia bom e atenue o prejuízo provocado pelo incêndio.

Isto faz-me pensar numa comparação óbvia: a profissão de advogado é como a de médico. Ninguém vai ao consultório com um cancro em fase terminal e diz ao doutor: “Olhe, eu sei que está tudo perdido, mas o senhor é médico, cure-me isto até sexta-feira porque tenho um jantar importante.” O médico encolhe os ombros, explica que a ciência tem limites, e o paciente, ainda que triste, aceita. Agora, tragam essa lógica para o tribunal. “Doutora advogada, eu sei que não tenho provas, que a lei está contra mim e que o meu adversário tem um autocarro de testemunhas. Mas a senhora tem de ganhar, porque eu não posso perder este caso!” A diferença é que, ao médico, perdoam-se os limites da biologia; ao advogado, nem os limites da lógica jurídica são aceitáveis.

E depois há os casos em que o cliente acha que a falta de consistência legal é apenas um pormenor. “Doutor, eu assinei um contrato a prometer pagar 50 mil euros, não paguei, e agora estão a processar-me. Mas eu não acho justo e necessito da sua ajuda” Pois, meu caro, o tribunal não é um confessionário onde se absolvem os pecados com base no que “se acha justo”. Eu posso ser a maior malabarista jurídica do mundo, mas se não houver um artigo, uma jurisprudência ou uma testemunha que me segure a corda, caio redonda no chão e o cliente comigo.

Claro que há quem diga: “Mas os advogados não são pagos para arranjar soluções?” Sim, somos. Soluções legais, não milagres divinos. É como pedir a um chef que faça um soufflé de chocolate sem ovos, farinha ou chocolate. “Arranje-se, você é chef!” No fim, o tipo entrega-vos um prato vazio e diz: “Olhe, fiz o que pude com o nada que me deu.” Pois, o advogado é igual. Sem matéria-prima: provas, documentos, testemunhas, o máximo que conseguimos é uma defesa criativa que, na melhor das hipóteses, arranca um sorriso ao juiz antes de ele dizer: “Muito giro, doutor, mas onde está a substância?”

E não pensem que isto é falta de esforço. Eu já perdi noites de sono a tentar encontrar brechas em causas que mais pareciam um queijo suíço só buracos, zero queijo. Já virei o Código Civil do avesso, já li acórdãos de 1972 que ninguém cita há décadas, já bebi café suficiente para ressuscitar um morto. Mas sabem que mais? Nem o café faz milagres. Se o caso é uma estrada sem saída, eu não sou o Super-Mulher a voar por cima do obstáculo sou, no máximo, uma mulher com um mapa manhoso a tentar não bater com o carro na parede.

Por isso, da próxima vez que pensarem em contratar um advogado, lembrem-se: nós somos artesãos da lei, não feiticeiros. Deem-nos um caso com pernas para andar, provas, testemunhas, uma base legal sólida e aí, sim, podemos brilhar. Mas se nos entregarem um saco vazio e pedirem um coelho, não se admirem se sairmos da cartola com cara de quem tentou, mas não deu. Tal como o médico não cura o incurável, o advogado não ganha o inganhável. E, francamente, se eu fosse milagreira, estaria neste momento com um mojito na mão, o som de uma ondulação marítima suave a entrar pelos ouvidos e a vista de um mar límpido esverdeado e entrecortado por baixas palmeiras a encher-me a vista… desculpem, mas estou mesmo a precisar novamente de férias.

Setembro 2025