Corria o ano de 1883 quando se assinou a Convenção da União de Paris, um tratado internacional que, pela primeira vez, disse ao mundo: “As ideias podem ser livres, mas os nomes bons, meus amigos, precisam de dono.” Desde então, o registo de marcas tornou-se uma espécie de seguro de identidade empresarial. Uma proteção jurídica contra o plágio descarado e a coincidência duvidosa.

 

Mas não é preciso ir tão longe. Basta conhecer o caso do senhor Joaquim.

O senhor Joaquim era um homem do campo, bigode farfalhudo, mãos calejadas e um talento inato para curar presunto. Um verdadeiro artista do sal e do tempo. Fundou um negócio pequenino: Presuntos do Joaquim. Vendia na feira, no mercado e até online, com a ajuda do neto, que era “bom dessas coisas da Internet”. Todos na aldeia sabiam que, se era do Joaquim, era bom.

Até que um dia, apareceu no mercado um tal de “Presuntos do Jaquim” repare-se na troca estratégica de uma letra, como quem troca a fechadura da sua casa, mas jura que não mexeu em nada. O novo “Jaquim” começou a vender produtos inferiores, embalados com um logotipo parecido, e logo os clientes começaram a duvidar da qualidade do verdadeiro Joaquim.

O nosso herói foi ao advogado. Já um pouco tarde.

Mas doutor, toda a gente sabe que o nome é meu!”

Sim, todos sabiam. Menos a lei. Porque, de acordo com o Código da Propriedade Industrial (Decreto-Lei n.º 110/2018, de 10 de dezembro), o direito exclusivo sobre uma marca adquire-se com o seu registo (art. 210.º, n.º 1). E o senhor Joaquim, confiando na boa-fé do mundo (um erro recorrente entre os honestos), nunca registou coisa nenhuma. A sua marca era, aos olhos da lei, tão protegida quanto um segredo contado em praça pública.

Mas afinal, o que é uma marca?

Uma marca é muito mais do que um nome bonito ou um logotipo bem desenhado. É a identidade do negócio, o rosto com que se apresenta ao mundo. Segundo o artigo 208.º do mesmo Código, marca é um sinal suscetível de representação gráfica que permite distinguir os produtos ou serviços de uma empresa dos de outras empresas.

Isto aplica-se tanto ao pequeno artesão como à multinacional que vende telemóveis com nomes de frutas. Seja para uma empresa, um freelancer criativo ou alguém que decidiu lançar uma linha de compotas com o nome da avó, a marca é o que fica na memória do cliente (e, convenhamos, também o que nos salva do genérico “aquele negócio da esquina”).

Por que razão deve registar a sua marca?

  1. Porque o mundo é rápido e oportunista. Se não registar, alguém pode fazê-lo por si e não com boas intenções.
  2. Porque dá exclusividade. O registo garante que mais ninguém pode usar a mesma marca (ou uma parecida) no mesmo setor.
  3. Porque aumenta o valor do seu negócio. Uma marca registada pode ser licenciada, vendida ou dada como garantia.
  4. Porque transmite profissionalismo. O cliente percebe que há seriedade e visão de futuro. E ninguém quer contratar um improviso.

“Mas doutor, é muito caro?”

Depende. Não é um investimento avultado, especialmente se compararmos com os danos de não o fazer. No Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI), o custo base para registar uma marca em Portugal começa nos €145,56 (Online). Mais barato que muitos jantares de empresa e bem mais duradouro.

“E se eu for apenas um particular?”

Então é ainda mais importante. Muitos criadores, artistas e pequenos empreendedores pensam que o registo é só “coisa de empresa grande”. Mas é precisamente quem está a começar que mais precisa de proteger a sua criação. Ninguém tem uma ideia duas vezes, e há sempre alguém à espreita para chamar “inspiração” ao que é, na verdade, um descarado furto criativo.

E agora, senhor Joaquim?

O Joaquim aprendeu a lição. Com lágrimas nos olhos e fúria no peito, registou a marca “Presuntos do Verdadeiro Joaquim®”. Com símbolo registado e tudo. Voltou ao mercado com força. Fez questão de pendurar uma cópia do registo junto à balança e, de cada vez que cortava uma fatia fina como papel, olhava nos olhos do cliente e dizia: “Agora é oficial. Só eu posso ser eu.”

Moral da história:

Não espere que lhe roubem o nome para perceber que vale ouro. Registar uma marca é um ato de amor próprio, empresarial e preventivo. É dizer ao mundo: “Esta ideia é minha, este nome sou eu.” E acredite no mundo moderno, onde as ideias voam mais rápido que a fiscalização tributária quem não protege a sua identidade, está a pedi-las.

01-09-2025