Há momentos na vida em que o silêncio é de ouro. Como quando alguém pergunta se gostamos do novo corte de cabelo, inspirado numa mistura barroca/pós-punk e nós hesitamos um segundo a mais. Ou quando um amigo nos pede ajuda para mudar de casa e ficamos subitamente offline. Mas há um contexto onde o direito ao silêncio não é apenas recomendável é um direito fundamental: o processo penal.

Em Portugal, qualquer pessoa suspeita ou arguida num crime tem o direito de não dizer absolutamente nada que a possa incriminar. Isso está consagrado no artigo 61.º, n.º 1, alínea d) do Código de Processo Penal, que garante ao arguido o direito a não responder a perguntas feitas por autoridades. E, ao contrário do que alguns filmes policiais fazem parecer, isto não significa que a pessoa é automaticamente culpada, significa apenas que a nossa lei reconhece que ninguém deve ser obrigado a contribuir para a própria condenação.

O silêncio não é um crime (mas falar pode ser)

Se um dia nos encontrarmos numa situação em que somos suspeitos de um crime, o instinto pode ser o de explicar tudo, contar a nossa versão e tentar convencer as autoridades da nossa inocência. E isso, na maior parte das vezes, é um erro colossal.

Primeiro, porque tudo o que dissermos pode ser usado contra nós (não é só nos filmes americanos que isso acontece). Segundo, porque podemos dizer algo que, fora de contexto, pode parecer incriminador. E terceiro, porque até mesmo uma contradição inocente pode enfraquecer a nossa posição e ser amplamente explorada pela acusação.

Não é por acaso que o artigo 32.º, n.º 1 da Constituição da República Portuguesa consagra o direito a um processo equitativo, garantindo que ninguém pode ser obrigado a fazer prova contra si próprio.

E atenção: este direito não significa que podemos mentir. Se resolvermos falar, então o que dissermos deve ser verdadeiro caso contrário, podemos ser acusados de falsas declarações ou, pior, de perjúrio.

O direito ao silêncio na prática

Imagine que alguém é chamado à esquadra para prestar declarações porque está a ser investigado por um crime que jura de pés juntos que não cometeu. A polícia faz perguntas. A pessoa quer responder e justificar a sua inocência. Mas há um problema: tudo o que disser será anotado e poderá ser usado no processo.

Se houver um julgamento, o juiz e o Ministério Público vão analisar as declarações feitas na fase inicial do processo. Se houver contradições ou lapsos (o que é normal quando se está nervoso), isso pode ser interpretado como um sinal de culpa. Por isso, muitas vezes, o melhor conselho é: permaneça em silêncio e solicite um advogado.

A própria lei reconhece que o silêncio não pode ser interpretado como prova contra o arguido (artigo 343.º, n.º 1 do Código de Processo Penal). Ou seja, um juiz não pode condenar alguém só porque a pessoa se recusou a falar.

Mas, e se eu for testemunha?

Aqui a história muda de figura. Se for chamado como testemunha num processo, o direito ao silêncio já não é absoluto. Uma testemunha tem a obrigação de se pronunciar alinhado com a verdade e responder às perguntas lhe são dirigidas. No entanto, se o testemunho a puder incriminar, pode invocar o direito a não responder, conforme previsto no artigo 132.º, n.º 1 do Código de Processo Penal.

Ou seja, a testemunha não pode mentir, mas também não pode ser forçada a dizer algo que a prejudique. É um equilíbrio delicado, semelhante ao exercício de tentar elogiar um jantar horrível sem mentir nem magoar o cozinheiro.

O direito ao silêncio existe para proteger qualquer pessoa contra condenações injustas e erros processuais. Não é um truque de criminosos nem uma admissão de culpa é um princípio fundamental de um Estado de Direito.

Se um dia se encontrar numa situação em que é arguido num processo penal, lembre-se: o silêncio pode ser o seu melhor amigo. Ou, pelo menos, um amigo mais leal do que um discurso nervoso e cheio de contradições.

24-03-2025

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Susana Canêdo - Advogada
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