No panorama social português, as uniões de facto têm assumido um papel cada vez mais relevante, refletindo a diversidade e a complexidade das relações humanas. Quando se aborda a questão das dívidas contraídas durante a união de facto, surge uma dúvida pertinente: a quem pertencem essas dívidas? A resposta, embora enraizada na legislação, deve ser analisada à luz da realidade concreta e dos princípios de justiça que norteiam a sociedade portuguesa.
A lei portuguesa, ao regular a união de facto, concede aos conviventes direitos e deveres semelhantes aos do casamento, no que diz respeito à partilha de responsabilidades e ao bem-estar comum. No entanto, é fundamental sublinhar que a união de facto não gera automaticamente um regime de bens como o casamento. Neste sentido, as dívidas contraídas por um dos membros da união de facto não vinculam necessariamente o outro, a menos que se demonstre que essas dívidas foram contraídas em benefício comum ou para suprir as necessidades comuns da vida familiar.
O princípio da autonomia da vontade
Na ausência de uma lei específica, o princípio da autonomia da vontade prevalece. Isso significa que os parceiros podem acordar livremente como pretendem gerir os seus bens e dívidas durante a união e no cenário de extinção da mesma. No entanto, este princípio tem os seus limites, nomeadamente quando os direitos de terceiros estão em causa.
Dívidas contraídas em nome individual
As dívidas contraídas por um dos parceiros em nome individual, mesmo durante a união de facto, são, em princípio, da responsabilidade exclusiva desse parceiro. No entanto, se essas dívidas tiverem sido contraídas para benefício comum do casal, poderá haver um debate sobre a sua partilha.
Dívidas contraídas em nome do casal
Quando as dívidas são contraídas em nome de ambos os parceiros, a responsabilidade pela sua dívida é solidária. Isso significa que cada um dos parceiros responde pela totalidade da dívida, podendo o credor exigir o pagamento a qualquer um deles.
A importância de um acordo escrito
Para evitar futuras divergências e litígios, é fundamental que os parceiros celebrem um acordo escrito, definindo de forma clara e precisa como pretendem gerir os seus bens e dívidas durante a união de facto. Este acordo poderá ser utilizado como prova em caso de litígio e desta forma, evitar longas disputas judiciais.
A proteção dos credores
Os credores têm o direito de exigir o pagamento das dívidas contraídas pelos devedores. No caso das uniões de facto, os credores podem exigir o pagamento da dívida a qualquer um dos parceiros, independentemente de quem a contraiu.
A intervenção judicial
Em caso de litígio, os parceiros podem recorrer ao tribunal para debaterem as suas divergências. O tribunal, ao analisar o caso, terá em conta todos os elementos relevantes, incluindo o acordo escrito (se existir), a natureza das dívidas e a contribuição de cada um dos parceiros para o património comum.
A existência de dívidas contraídas no âmbito de uma união de facto depende, em grande medida, da finalidade dessas dívidas e do benefício que trazem para a vida em comum. A legislação portuguesa, embora clara na separação patrimonial dos conviventes, não exclui a possibilidade de ambos serem responsáveis por dívidas que visem o benefício comum. A chave está na comunicação, no entendimento mútuo e, quando necessário, na orientação jurídica especializada, para garantir que a união de facto seja, em todos os aspetos, uma parceria baseada no respeito, na equidade e lealdade.
09-09-2024