Comprar casa é um momento emocionante: visitamos imóveis, imaginamos a nossa vida naquele espaço e até começamos a discutir onde vai ficar o sofá (mesmo sabendo que depois vamos mudar tudo três vezes). Mas entre o entusiasmo da compra e a realidade da dívida, há um pequeno detalhe que merece atenção: o crédito à habitação. E, convenhamos, assinar um contrato de crédito sem ler as letras minúsculas é como casar sem saber se o cônjuge tem um leão de estimação na garagem. 

O empréstimo: um casamento com o banco

Pedir um crédito à habitação é, na prática, entrar num relacionamento de longo prazo com uma instituição bancária. A diferença é que, ao contrário de um casamento, o divórcio não é simples. E, se correr mal, o banco não só não chora, como ainda nos pode tirar a casa.

O Decreto-Lei n.º 74-A/2017, que regula os contratos de crédito à habitação, estabelece regras claras para proteger os consumidores. Uma delas é a Ficha de Informação Normalizada Europeia (FINE), que o banco é obrigado a fornecer antes da assinatura do contrato. Esta ficha explica tudo sobre o empréstimo, incluindo taxas de juro, encargos e consequências do não pagamento. E sim, ler essa ficha é chato, mas não lê-la pode ser muito mais chato… especialmente quando começam a chegar prestações mais altas do que o esperado. 

Taxas de juro: fixas, variáveis e a emoção de um filme de terror

O crédito à habitação pode ter taxa de juro fixa ou variável. A fixa mantém-se igual ao longo dos anos, o que dá previsibilidade. Já a variável, que depende da taxa Euribor, pode subir ou descer. E aqui está o problema: se baixar, ficamos felizes. Se subir, ficamos a pensar se realmente precisávamos daquela casa com varanda virada para o vizinho chato.

Desde 2022, muitas famílias sentiram na pele o impacto do aumento da Euribor. Para evitar surpresas, o Decreto-Lei n.º 80-A/2022 criou medidas de proteção, incluindo renegociação de contratos sem penalização. Portanto, se as prestações subirem demasiado, há formas legais de tentar aliviar a carga.

O Spread: O “preço” do empréstimo

Além da taxa de juro, há o famoso spread, que é a margem de lucro do banco. Ele varia conforme o risco do cliente e pode ser reduzido se contratarmos produtos adicionais, como seguros, cartões de crédito ou contas ordenado. No entanto, algumas dessas exigências podem ser abusivas. O Banco de Portugal já alertou para práticas que violam os direitos dos consumidores, por isso, o ideal é comparar ofertas antes de assinar.

O seguro de vida: mais importante do que parece

Quando pedimos um crédito, somos obrigados a contratar um seguro de vida e um seguro multirriscos-habitação. O primeiro garante que, em caso de morte ou invalidez, a dívida não passa para a família. O segundo protege contra danos na casa. O detalhe importante? Não somos obrigados a contratar esses seguros no mesmo banco que dá o crédito. Muitas vezes, seguradoras externas oferecem melhores condições, e o consumidor pode poupar dinheiro ao comparar propostas.

E se não conseguir pagar?

Se surgirem dificuldades financeiras, o pior erro é ignorar o problema. O Decreto-Lei n.º 227/2012 obriga os bancos a terem um Plano de Ação para o Risco de Incumprimento (PARI), ou seja, a tentar encontrar soluções antes de avançar para a execução da hipoteca. Além disso, há medidas como a moratória pública (temporariamente suspensa) e a renegociação de prazos para aliviar as prestações.

O que importa saber é que, mesmo em situações difíceis, há mecanismos legais que podem ajudar. Mas, para isso, é essencial agir antecipadamente e negociar com o banco.

O crédito à habitação pode ser um excelente aliado na conquista da casa própria, mas deve ser assumido com responsabilidade. Conhecer os seus direitos e ler atentamente as condições do contrato é essencial para evitar surpresas desagradáveis. Afinal, a casa pode ser sua, mas a dívida… essa pertence ao banco até ao último cêntimo ser pago.

Portanto, antes de assinar, informe-se bem. E, já agora, escolha um sofá que dure tanto quanto o empréstimo porque, se for de má qualidade, pode acabar de pé antes de terminar de pagar a casa.

07-04-2025

Abrir chat
Susana Canêdo - Advogada
Olá, como posso ajudar?
Hello, how can i help you?