Um jovem que sai da Faculdade de Direito e imagina-se a caminhar pelos tribunais com a altivez de um personagem de John Grisham e a distribuir argumentos com a lábia de um Saul Goodman. Depois, descobre que a realidade é um pouco diferente: a primeira grande batalha não é contra o Ministério Público ou o Juiz, mas contra aquele oficial de justiça que muitas das vezes é um organismo vivo da burocracia.
Se pudesse voltar atrás e conversar com o meu eu recém-formada, dar-lhe-ia algumas dicas que lhe poupariam noites de insónia, muitos cabelos brancos e, principalmente, algumas figuras tristes em audiências. Como sou generosa, partilho-as aqui para evitar que outros jovens advogados cometam os mesmos erros que eu.
A ansiedade é um bichinho traiçoeiro (mas dá para domesticar)
O primeiro cliente, a primeira petição, a primeira audiência. Tudo parece um grande teste, uma espécie de reality show jurídico, e temos a certeza de que um erro significará o fim precoce da carreira. Mas, calma! A boa notícia é que ninguém morre de vergonha. A má notícia é que a ansiedade não desaparece com o tempo, só se aprende a conviver com ela. Um bom truque para evitar um colapso nervoso é simples: preparação. Quando sabemos e dominamos o que estamos a falar, a insegurança dá um passo atrás. E, se mesmo assim sentires que o nervosismo está prestes a dominar-te, um truque clássico é imaginar que o juiz está de pantufas. Acredita, ajuda muito.
A arte de argumentar sem parecer um vendedor de enciclopédias
No início da carreira, há uma tentação irresistível de impressionar o juiz. E como se faz isso? Metendo latim. Muito latim. Citando doutrinadores de nomes impronunciáveis. Escrevendo petições que, se empilhadas, poderiam servir de degrau numa escada. Mas depois percebe-se a verdade fundamental da advocacia: um argumento jurídico precisa de lógica, clareza e, sobretudo, objetividade. Não adianta querer encher uma peça processual com exotismos se o juiz só quer saber uma coisa: tem fundamento ou não?
Aliás, vale um conselho de ouro: nunca digas diretamente a um juiz que ele está errado. Opta pela abordagem diplomática: “Excelência, há uma interpretação alternativa que pode ser considerada…” ou “Vossa Excelência poderá, talvez, ponderar uma outra jurisprudência sobre a matéria…”. Este tipo de subtileza pode evitar que a argumentação seja interrompida por um “Doutora, prossiga” seco e categórico.
Perder faz parte do jogo (e a carreira não acaba por isso)
Todos, ou quase todos os advogados tem aquele primeiro caso em que depositam todas as esperanças. Estuda, prepara-se, constrói a tese argumentativa como se fosse uma obra-prima do Direito… e perde. Nesse momento, a sensação é de que o universo inteiro conspirou contra ti e que nunca mais vai conseguir vingar na profissão. Mas eis o grande segredo: perder faz parte do jogo. A advocacia é um eterno recomeço, e as derrotas ensinam mais do que as vitórias. O importante é entender o que correu mal, ajustar a estratégia e seguir em frente. Afinal, até grandes nomes do Direito já perderam causas. A diferença é que eles aprenderam a não fazer disso um drama renascentista.
Evoluir significa aprender sempre (e ouvir quem já tropeçou antes de ti)
Se há algo que eu gostaria de ter sabido antes, é que o diploma não significa que estás preparado. Longe disso. O Direito é uma profissão que exige atualização constante, e os advogados que mais evoluem são aqueles que nunca param de estudar. E aqui fica um conselho extra: bons cursos são ótimos, mas um café com um colega experiente pode ensinar lições que não estão nos manuais.
Outro ponto fundamental: o compromisso com o cliente. Não basta saber citar artigos de lei, é preciso compreender o que ele sente, o que ele espera, e, principalmente, saber gerir expectativas. Este compromisso com o cliente e o seu caso, aliado a uma correta gestão de expectativas é uma fórmula robusta para a conquista da sua confiança
Os colegas de profissão não são inimigos (e podem salvar sua pele)
Quando se começa na advocacia, há uma tendência a ver os outros advogados como concorrência. Mas, na verdade, são eles que podem ajudar em momentos críticos. Trocar experiências, dividir dúvidas e, acima de tudo, aprender com os erros e acertos dos outros é uma das melhores formas de crescimento profissional. Portanto, não hesites em pedir ajuda, trocar ideias e criar uma boa rede de contatos.
Se eu soubesse tudo isto no início, teria poupado algumas noites mal dormidas e algumas crises de desespero. Mas a verdade é que a advocacia é uma profissão que se aprende na prática, no erro, no acerto, na troca de experiências. E, no fim das contas, é isso que a torna tão fascinante.
Portanto, quem está a iniciar a carreira de advocacia, não se preocupe. Vai correr tudo bem. Mas, quando correr mal, lembre-se: faz parte do espetáculo.
Maio 2025