Imagine o seguinte: a Maria resolve abrir o Instagram para ver se alguém gostou da foto do jantar dela – um prato de bacalhau com natas que ficou mais bonito no filtro do que no forno. Mas, enquanto navega pela sua conta, apercebe-se de algo estranho. O João, aquele ex-namorado que ela deixou há dois anos, anda a ver todos os stories dela, a comentar com “likes” passivo-agressivos em posts antigos e, ainda por cima, a mandar mensagens anónimas com frases tipo: “Com quem estás agora?”
O problema é que a Maria não quer falar com o João. Não quer interagir, não quer justificar as suas escolhas. Quer apenas viver em paz, sem se sentir vigiada ou controlada. E é aqui que entra a boa notícia: desde 2021, o stalking online é crime em Portugal. Sim, há limites até para o número de vezes que uma pessoa pode visitar o perfil de outra sem ser considerada… esquisita.
O que diz a lei sobre stalking?
O artigo 154.º-A do Código Penal português foi introduzido pela Lei n.º 83/2021 e criminaliza a perseguição. A lei é clara: “Quem, de forma reiterada, assediar ou perseguir outra pessoa, por qualquer meio, causando-lhe medo ou inquietação ou prejudicando a sua liberdade de determinação, é punido com a proibição de contacto com a vítima pelo período de 6 meses a 3 anos.”
Ou seja, aquela obsessão de seguir cada movimento da vida de alguém – seja enviando mensagens constantes, vigiando perfis nas redes sociais ou até enviando flores ao trabalho com mensagens “misteriosas” – é crime. Não é preciso esperar que o perseguidor apareça na porta de casa com um cartaz tipo filme romântico de mau gosto. Basta sentir-se intimidado, ansioso ou incapaz de viver a sua vida em liberdade para que o stalking seja reconhecido como tal.
Mas… e se o João disser que só está a ser “romântico”?
O clássico argumento do perseguidor criativo: “Não estou a fazer stalking, só tenho saudades…” Pois bem, a lei não cai não se deixa enredar por essa armadilha. O elemento central do crime de stalking é a reiteração e o impacto que tem na vítima. É irrelevante que o perseguidor ache que está a protagonizar um filme de comédia romântica quando, na realidade, a vítima se sente no meio de um thriller psicológico.
Além disso, o stalking online ganha uma gravidade particular quando acontece em contextos de violência doméstica, como previsto no artigo 152.º do Código Penal. Porque, sejamos francos: se o João está a fazer isto online, o que o impede de fazer algo mais grave no mundo real? A lei portuguesa reconhece este perigo e prevê penas agravadas para estes casos.
“Mas como é que eu provo que alguém me está a perseguir?”
Agora vamos à parte prática, porque, claro, a lei é bonita no papel, mas como é que se aplica? Se sente que está a ser vítima de stalking online, siga os seguintes passos:
Guarde todas as provas. Sim, até aquelas mensagens ridículas que dizem “Gostei da tua foto, mas quem é o individuo ao teu lado?”. Capturas de ecrã, registos de chamadas, tudo.
Bloqueie o perseguidor. No início, pode parecer uma solução suficiente, mas, se o comportamento continuar, já tem um sinal claro de que é algo mais sério.
Denuncie às autoridades. Dirija-se à polícia ou contacte diretamente o Ministério Público e explique a situação. O stalking é crime e deve ser tratado como tal.
Afinal, qual é o problema do stalking online?
É fácil pensar: “Ah, mas as pessoas exageram. Quem é que nunca foi espreitar o perfil de alguém com quem já saiu?” Claro, espreitar um perfil uma vez ou outra não é crime. O problema começa quando a “curiosidade” vira obsessão, e o comportamento se torna repetitivo e invasivo.
A internet é um espaço onde todos devemos sentir-nos livres para expressar-nos, partilhar e até postar fotos mal iluminadas de bacalhau com natas. Não é um espaço onde alguém deve sentir-se vigiado ou controlado. O stalking online rouba-nos essa liberdade.
Então, se alguma vez se sentir no papel de Maria – ou mesmo no papel de João –, lembre-se: viver sem medo não é um luxo, é um direito. E a lei está aqui para garantir que a vida, seja no mundo físico ou digital, continua a ser sua e só sua.
Agora, se me dão licença, vou ali verificar se ninguém anda a ver os meus stories 15 vezes seguidas.
20-01-2025