Imagine que é o proprietário de um negócio de sucesso, com um produto ou serviços muito competitivos e uma carteira de clientes bem generosa e fiel. Mas, por motivos pessoais (finalmente resolveu que chegou o momento de dedicar-se àquela plantação de vinha no Alto Douro que um familiar seu lhe deixou em testamento), decide que chegou a hora de passar o negócio a outra pessoa. Mas… o que fazer com tudo o que construiu? É aqui que entra o famoso contrato de trespasse. Nunca ouviu falar? Então, prepare-se, porque vamos mergulhar num dos contratos mais interessantes do domínio empresarial.

O que é o trespasse?

Em termos simples, o contrato de trespasse é o negócio jurídico pelo qual se transmite a propriedade de um estabelecimento comercial, ou seja, o negócio em si. Não nos referimos apenas ao ato de vender as mesas e as cadeiras do café (apesar de isso também poder estar incluído), mas sim de transferir a própria atividade comercial, com os seus clientes, a sua marca, a sua reputação e toda a história que fez com que aquele café ser o “seu” café.

Este tipo de contrato está previsto no Código Civil Português, no artigo 1108.º e seguintes, e é bastante comum em Portugal, especialmente em negócios estabelecidos, como restaurantes, lojas ou serviços que já têm uma clientela fiel e uma robusta visibilidade no mercado.

Mas o que é, exatamente, “trespassado”?

Quando falamos em trespasse, estamos a falar de mais do que a simples venda de bens materiais. É uma transferência do estabelecimento comercial, que inclui:

  • A clientela (aquele grupo de clientes que entra todas as manhãs no seu café à procura de uma bica e de um pastel de nata);
  • A marca (o nome que já criou confiança no bairro);
  • O know-how do negócio;
  • Os equipamentos, os móveis e até o stock de produtos, dependendo do acordo.

E o que diz a Lei sobre isto?

A legislação, além de regulamentar o trespasse, também define algumas restrições importantes. Por exemplo, se o estabelecimento estiver arrendado, o trespasse pode acontecer sem o consentimento do senhorio, no entanto, por uma questão de cortesia legal, a informação do senhoria desta operação deve ser comunicada dentro de o prazo de um mês. Esta regra está estipulada na Lei do Arrendamento Urbano, mais especificamente no artigo 1109.º do Código Civil.

Além disso, o trespasse envolve certas formalidades que não podem ser ignoradas:

  • Notificação ao senhorio: Se o local for arrendado, o senhorio deve ser informado da intenção de trespasse, e este pode opor-se, salvo disposição em contrário no contrato de arrendamento.
  • Obrigações fiscais: Não, não se pode esquecer do fisco, O trespasse envolve o pagamento de impostos, e o contrato deve ser registado para efeitos fiscais.

E claro, a transferência inclui também as dívidas e os créditos do negócio, que passam para o novo proprietário. A legislação refere que o comprador assume as obrigações do estabelecimento, salvo estipulação em contrário. Portanto, se o café tiver faturas por liquidar ao fornecedor do pão ou da pastelaria, o novo proprietário terá de assumir esse compromisso.

Vantagens do trespasse: para quem vende e para quem compra

Agora que já sabe o que é o trespasse, pode estar a pensar: “Mas o que ganho com isso?”. Se é o vendedor, o trespasse permite-lhe obter uma compensação financeira pelo esforço e pela marca que construiu ao longo dos anos, sem deixar o negócio morrer. E se é o comprador? Bem, ganha um negócio já estabelecido, com uma base de clientes fiel e um nome reconhecido.

O trespasse como uma nova oportunidade

O contrato de trespasse é, sem dúvida, um dos instrumentos mais interessantes no mundo dos negócios. Tanto para quem quer sair de cena como para quem quer entrar num negócio já em funcionamento. O trespasse é a forma legal e estruturada de garantir que a mudança seja vantajosa para ambos as partes.

Se está a pensar em trespassar o seu negócio (ou adquirir um), não se esqueça de ler com atenção as letras mais reduzidas e de consultar um advogado especializado.

07-10-2024

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Susana Canêdo - Advogada
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