Ser advogado é um exercício diário de resistência psicológica. Se alguém quiser testar os seus limites sem precisar de saltar de um avião, basta aceitar um processo cheio de prazos apertados, clientes desesperados e uma impressora que decide avariar exatamente quando precisa de imprimir ou digitalizar algo para o tribunal.

O dia começa com o despertador, que toca, mas o advogado já está acordado há horas, preocupado com o prazo de um recurso. E-mails? Já há vinte novos antes mesmo de sair da cama. A maioria começa com “URGENTE” no assunto, sendo que metade dessas urgências tem a ver com coisas que poderiam ter sido resolvidas há semanas, mas o cliente lembrou-se agora.

Depois de um café não por prazer, mas por necessidade bioquímica, começa a preparação para audiências e reuniões. Se há tribunal nesse dia, é altura de rezar para que o cliente não diga nada que vá contra tudo o que foi acordado. Se há reuniões, é preparar-se para explicar, pela enésima vez, que “ter razão” e “ganhar um processo” não são sinónimos perfeitos.

A manhã passa entre telefonemas e notificações judiciais. O advogado aprende rapidamente que, em Direito, sempre que um alerta de e-mail apita, é mau sinal. O cliente quer novidades do processo, como se os tribunais fossem um drive-thru de justiça. Ou um juiz mandou juntar uma decisão inesperada e agora há um novo problema para resolver.

Se há tribunal, é um verdadeiro espetáculo. A espera no corredor, o juiz que pede para resumir anos de conflito em três minutos, o cliente que decide “improvisar” no depoimento e, claro, a tensão de aguardar uma decisão que pode demorar meses a sair. No final, há sempre um alívio momentâneo, que dura até abrir o telemóvel e ver mais mensagens com a palavra “urgente”.

O almoço… bom, almoço é um conceito abstrato. Existe teoricamente, mas na prática resume-se a um café reforçado e qualquer coisa que se possa comer com uma mão enquanto a outra responde a e-mails.

À tarde, é tempo de redigir peças processuais. Redigir um articulado não é apenas escrever; é um exercício de paciência e estratégia. É escolher palavras com precisão cirúrgica para que ninguém possa distorcê-las, ao mesmo tempo que se tenta não enlouquecer com a complexidade da jurisprudência.

E as reuniões? São como pequenas sessões de terapia, mas em que o advogado é quem precisa de apoio psicológico no final. O cliente chega revoltado: “Doutor, eu sei que o meu caso é muito complexo, mas com toda a certeza que o podemos vencer, certo?”. O advogado respira fundo e tenta explicar, com a serenidade de um monge, que o sucesso em direito exige fundamentos jurídicos e não apenas jurisprudência individual.

À noite, o telemóvel continua a tocar. E-mails com perguntas existenciais como: “Doutor, posso instaurar processo a alguém por me ter bloqueado no Facebook?”. Nesta altura, o advogado pondera mudar de vida e abrir uma pastelaria. Mas depois lembra-se de que as pastelarias também têm impostos, contratos e fornecedores que não cumprem prazos. E desiste.

O dia termina tarde, depois de ler acórdãos até os olhos pedirem misericórdia. No silêncio do escritório, entre pilhas de processos e uma chávena de café frio esquecida na secretária, o advogado reflete: ser advogado não é só resolver problemas. É absorver o stress dos outros, carregar responsabilidades imensas e, mesmo assim, continuar firme.

Porque, no fundo, há um certo prazer em conseguir transformar o caos em solução. E, claro, há sempre café para ajudar.

Março 2025

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Susana Canêdo - Advogada
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